Apresentamos,
aqui, a história da Marcha Mundial das Mulheres a partir dos processos que
marcaram sua construção, especialmente no Brasil, em diálogo com os acúmulos de
análises e ações das mulheres em movimento. Esse texto tem como referência as
ações internacionais realizadas a cada 5 anos, que marcam os processos de
síntese política da plataforma da Marcha em todo o mundo.
A
inspiração para a criação da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) partiu de uma
manifestação realizada em 1995, em Quebec, no Canadá, quando 850 mulheres
marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. No final
desta ação, diversas conquistas foram alcançadas, como o aumento do salário
mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária.
As
mulheres do Quebec buscaram contatos com organizações em vários países, para
compartilhar essa experiência e apresentar a proposta de criar uma campanha
global de mulheres. O primeiro contato no Brasil foi com as mulheres da Central
Única das Trabalhadoras e Trabalhadores (CUT). Foram elas que marcaram as
reuniões para discutir a proposta e definir as representantes brasileiras para
o primeiro encontro internacional da MMM, que aconteceu em 1998, em Quebec, e
teve a participação de 145 mulheres de 65 países e territórios. Nesse encontro
foi elaborada uma plataforma com 17 reivindicações para a eliminação da pobreza
e da violência contra as mulheres. E ali foi convocada a Marcha Mundial das
Mulheres como uma grande campanha a ser desenvolvida ao longo do ano 2000.
1ª AÇÃO INTERNACIONAL
2000 RAZÕES PARA MARCHAR CONTRA A
POBREZA E A VIOLÊNCIA SEXISTA
A
convocatória para a campanha realizada no ano 2000 teve um largo alcance e deu
origem à construção da MMM como um movimento internacional. A ação mobilizou
milhares de grupos de mulheres em mais de 150 países e territórios, em
atividades de educação popular e manifestações públicas de apoio às 17
reivindicações mundiais.
No
Brasil, entre 8 de março e 17 de outubro, foram realizadas atividades em todos
os estados. O grande momento nacional desta ação foi a realização da Marcha das
Margaridas, proposta pelas mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag). O nome desta Marcha, uma referência a Margarida Alves,
tornou visível a trajetória de lutas das mulheres rurais que, desde os anos
1980, atuam de forma organizada no Brasil.
As
mobilizações culminaram em 17 de outubro, dia de luta pela erradicação da pobreza,
com marchas simultâneas em 40 países, e atos em frente à sede do Banco Mundial
e do Fundo Monetário Internacional, em Washington, nos Estados Unidos. As
mulheres denunciaram os efeitos devastadores do neoliberalismo em seus países e
em suas vidas. Em um ato simbólico em frente à sede da Organização das Nações
Unidas (ONU), em Nova York, foram apresentadas mais de 5 milhões de assinaturas
recolhidas em apoio às demandas da Marcha. Logo após esse ato público, as
delegadas de diferentes países se reuniram no 2º Encontro Internacional da MMM
e ali decidiram que era necessário continuar o movimento.
“Com essa marcha muita coisa vai
mudar”: um movimento permanente
Aqueles
eram tempos de pensamento único, o neoliberalismo era fortemente hegemônico e
parecia não haver alternativa. As mulheres propuseram ir além do possível e
ousaram seguir atuando juntas para construir a MMM como um movimento
permanente, uma consequência das novas forças e sinergias mobilizadas em cada
local.
Desde
então, a MMM desenvolveu um método para a definição de consensos e uma forma de
atuação que implica a construção permanente da relação entre o local, o
nacional e o internacional. A preparação das ações internacionais, a cada cinco
anos, marca processos de sínteses políticas da plataforma da MMM.
EM ALIANÇA PARA MUDAR O MUNDO
A
construção de alianças com outros movimentos sociais é um princípio que caminha
junto com nossa auto-organização em um movimento autônomo de mulheres.
O
Fórum Social Mundial foi um processo central nessa construção. Desde sua
primeira edição, em 2001, já afirmávamos que “O outro mundo possível” que
queremos construir também precisa ser feminista para que homens e mulheres
sejam livres e iguais. A MMM passou a se articular de forma crescente e
convergente com outras organizações e movimentos sociais. Entre estes, estão a
Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE), a Via
Campesina e Amigos da Terra Internacional. Essas articulações se ampliaram na
Assembléia dos Movimentos Sociais, que impulsionou lutas e campanhas comuns,
como na luta contra a guerra e o livre comércio. Nossas agendas vão se
“contaminando” umas com as outras e, nessa mescla, as organizações se
fortalecem e contribuem com as elaborações umas das outras.
Construímos
alianças feministas em nossa luta contra a Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA), o que nos permitiu consolidar uma visão crítica sobre como o trabalho
das mulheres é explorado todo o tempo pelo sistema, que é patriarcal e
capitalista.
Fora já! Fora já daqui: a ALCA, o
machismo e o FMI!
A Campanha Continental contra a ALCA
A
Campanha contra a ALCA foi um processo de grande mobilização popular que
conseguiu derrotar a proposta imperialista dos Estados Unidos para as Américas.
A ALCA era um tratado de livre comércio que, na prática, fortalecia os Estados
Unidos e suas empresas em toda a região.
A
campanha se organizou em todo o continente. A unidade em torno do “não à ALCA”
representou a radicalização da luta contra o neoliberalismo e a recusa do livre
mercado como paradigma para a América Latina.
As
ações e análises feministas sobre o neoliberalismo nesta campanha colocou as
mulheres como um sujeito político importante na disputa da agenda econômica, e
foi fundamental para a recomposição de um campo feminista e anti-capitalista no
movimento de mulheres.
No
Brasil, a MMM convocou, no dia 12 de agosto de 2002, um dia de ação das
mulheres contra a ALCA. Entre feiras de informação, apresentações de teatro,
panfletagens, oficinas, pintura de painéis, mostra de plantas medicinais e
produtos orgânicos, atos públicos e caminhadas, divulgação em rádios, shows e
tribunais populares, as ações das mulheres contra a ALCA foram marcadas por
criatividade e muita informação, e pela presença feminista nas ruas de 14
estados, denunciando as consequências da ALCA para a vida das mulheres.
Em
setembro de 2002, 10.149.542 pessoas participaram do Plebiscito sobre a ALCA,
sendo que mais de 95% votou contra a assinatura do acordo.
A NOSSA LUTA É TODO DIA! SOMOS
MULHERES E NÃO MERCADORIA!
Foi
nesse processo que, em 2002, a MMM elaborou a consigna “O mundo não é uma
mercadoria! As mulheres também não!”. Depois, veio o grito da batucada
feminista: “A nossa luta é todo dia: somos mulheres e não mercadoria!”
Essa
posição política tem como ferramentas de luta a mobilização, a ocupação dos
espaços públicos, os processos organizativos e enraizamento em nível local.
Como parte da recuperação da radicalidade e da rebeldia feminista, a MMM
desenvolveu várias formas de intervenção e comunicação. Ocupar as ruas é uma
das características do feminismo da MMM. O sentido político desta ocupação
envolve não apenas a visibilidade do nosso movimento, mas também a nossa
própria organização e reconhecimento como coletivo.
NO BATUQUE DO TAMBOR!
A
Batucada Feminista é um instrumento político de luta que expressa nossa ação
feminista. Na MMM, a batucada começou no FSM em 2003, a partir da experiência
das mulheres do Rio Grande do Norte. No 8 de março do mesmo ano, a batucada já
apareceu em alguns estados. Desde então, somou e inovou uma linguagem própria
da MMM.
Com
a batucada, buscamos democratizar a fala nas ruas. O ritmo ajuda a gerar
concentração, unidade e força nos momentos de ação coletiva. Tocar é uma forma
direta de ação política, de levar o feminismo para os olhares e ouvidos da rua,
expressando nossas lutas e ocupando plenamente o espaço público.
Latas,
mulheres, tambores e baquetas em ritmo contra o machismo. Os instrumentos da
batucada são feitos prioritariamente de materiais reciclados ou que fazem parte
do nosso cotidiano. Quando tocamos na batucada estamos dizendo que queremos
outras práticas e que não aceitamos a cultura musical machista e preconceituosa
que ouvimos todos os dias. Estamos denunciando o machismo e afirmando nossas alternativas
coletivas.
JOÃO, JOÃO, COZINHE O SEU FEIJÃO!
Na
sociedade capitalista e patriarcal, a divisão sexual do trabalho separa o
trabalho dos homens e o das mulheres, e define que um trabalho vale mais do que
o outro. O trabalho dos homens é associado ao produtivo (o que se vende no
mercado) e o trabalho das mulheres ao reprodutivo (a produção dos seres humanos
e suas relações). As representações do que é masculino e feminino são duais e
hierárquicas, assim como a associação entre homens e cultura, e mulheres e
natureza. Na Marcha Mundial das Mulheres lutamos para superar a divisão sexual
do trabalho e, ao mesmo tempo, pelo reconhecimento de que o trabalho
reprodutivo, doméstico e de cuidados está na base da produção do viver.7A
colagempaulista 020
A ECONOMIA NA AGENDA FEMINISTA
A
Marcha avançou em análises e propostas tendo como referência a economia
feminista. A economia não é apenas um conjunto de fórmulas e números, mas é
integrada por todas as atividades que garantem a produção do viver. A economia
vai além daquilo que pode ser medido por valores do mercado, da mesma forma que
o trabalho vai além do emprego.
Ao
questionar a divisão sexual do trabalho queremos reconhecer e valorizar o
trabalho realizado pelas mulheres. O atual modelo econômico reconhece apenas o
trabalho realizado na esfera do mercado. E, no mercado, nossa força de trabalho
é explorada com menores salários e condições precárias.
Lutamos
pelo compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados com os homens e o
Estado, e por mudanças na organização do mercado de trabalho, com a redução da
jornada e a garantia de todos os direitos trabalhistas. Propomos uma economia
centrada no bem-estar de todas e todos, que valorize e reorganize a reprodução,
o trabalho doméstico e de cuidados -, construindo um novo paradigma de
sustentabilidade da vida humana.
A CAMPANHA PELA VALORIZAÇÃO DO
SALÁRIO MÍNIMO
A
autonomia econômica das mulheres é uma condição para transformar a vida das
mulheres. Mas a autonomia não é apenas uma conquista individual e passa por
mudanças na economia como um todo.
Por
isso, em 2003, a Marcha do Brasil iniciou uma Campanha pela Valorização do
Salário Mínimo, como uma estratégia para distribuir a renda, combater a
pobreza, diminuir as desigualdades salariais entre homens e mulheres, brancos e
negros.
A
campanha propunha dobrar o valor do mínimo em quatro anos, promovendo a cada
ano um reajuste integral da inflação mais um aumento de 19% em seu valor.
Depois, numa segunda etapa, elevar o salário para R$ 730,00 (em 2006). O
cálculo para chegar a esse valor foi a divisão de 60% do PIB (Produto Interno
Bruto) pelo número dos e das que trabalham com remuneração – descontando do
total as crianças de 10 a 14 anos. Essa porcentagem é equivalente à dos países
onde há uma distribuição de renda mais justa. Ou seja, em nações com uma
concentração de renda menor que a nossa, o valor do salário mínimo corresponde
à divisão de 60% do PIB desses países pelo total de trabalhadores.
Contra
a pobreza e a opressão do capitalismo patriarcal: vamos provocar uma revolução
mundial!
A
luta para mudar o mundo e mudar a vida das mulheres se dá como parte de um só
movimento. Não basta identificar que os impactos deste sistema são piores para
as mulheres. Partimos de uma análise de que o capitalismo faz uso de estruturas
patriarcais no seu processo de acumulação. Não buscamos apenas diminuir
impactos negativos deste modelo na vida das mulheres, mas sim organizamos uma
luta para transformar as estruturas que organizam todas as relações de
desigualdade e poder.
Buscamos
recolocar a luta anti-capitalista e anti-patriarcal no momento em que o
movimento de mulheres estava sob a hegemonia da banalização do conceito de
gênero, em meio a um processo de institucionalização e de perda de
radicalidade.
A
Marcha consolidou em sua estratégia um feminismo não institucionalizado e
militante. Isso porque recusamos a organização a partir de agendas fragmentadas
e articulamos todas as dimensões, de classe, gênero e raça, em uma luta
anti-sistêmica. Explicitamos em nossas ações que, enquanto se reconheciam os direitos
das mulheres nas declarações das conferências da ONU, o mercado reorganizava a
vida das mulheres em nossos países, aprofundando a violência e a exploração do
trabalho das mulheres.
OFENSIVA CONTRA A MERCANTILIZAÇÃO DO
CORPO E DA VIDA DAS MULHERES
As
jovens da MMM se colocaram como objetivo articular e intensificar as ações que
já eram realizadas nos estados. Sua estratégia inclui a reflexão e elaboração
de ações feministas contra o machismo na sociedade de mercado e se materializa
em colagem de cartazes, intervenção em cartazes publicitários, ações de rua com
batucada, debates sobre letras de música, publicidade na TV, revistas e padrões
de beleza.
A
ofensiva, lançada em 2004 como uma ação permanente, organizou uma crítica ao
controle do corpo e da sexualidade das mulheres pelo mercado, entendendo que
este é também um dos pilares de sustentação do patriarcado. Questionamos a
naturalização e idealização do “ser mulher”, que impõe um padrão de mulher que
é branca, flexível, plastificada, feliz e mãe. Para alcançar este modelo, as
farmácias vendem livremente medicamentos de laboratórios transnacionais que
prometem alívio imediato e soluções milagrosas para adequar nossos corpos e
comportamentos às exigências da sociedade machista em geral, e dos homens em
particular.
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NÃO É O
MUNDO QUE A GENTE QUER!
A
violência contra a mulher é estruturante do patriarcado. A ideia geral sobre a
violência contra as mulheres é que se trata de uma situação extrema ou
localizada, envolvendo pessoas individualmente. Mas ela nos toca a todas, pois
todas já tivemos medo, mudamos nosso comportamento, limitamos nossas opções
pela ameaça da violência. Apesar de ser mais comum na esfera privada, como
violência doméstica, a violência, a ameaça ou o medo da violência são
utilizados para excluir as mulheres do espaço público.
As
leis e medidas punitivas são necessárias, mas insuficientes para acabar com
essa realidade. É necessário pautar de forma permanente o enfrentamento à
violência a partir da auto-organização das mulheres, do compromisso político
dos movimentos sociais e do Estado com a erradicação da violência sexista.
MUDAR O MUNDO PARA MUDAR A VIDA DAS
MULHERES PARA MUDAR O MUNDO
O
capitalismo incorporou a dominação patriarcal como estruturante de seu modelo
econômico e de suas práticas, tendo como base a divisão sexual do trabalho, o
controle sobre o corpo das mulheres, a imposição da família patriarcal e da
heteronormatividade como modelos. O capitalismo também incorporou o racismo e o
utiliza inclusive para organizar uma hierarquia e desigualdade entre as
mulheres, mesmo no interior da classe trabalhadora.
A
globalização criou uma dualidade entre as mulheres: pela primeira vez na
história do capitalismo, algumas mulheres tiveram acesso ao capital por elas
mesmas, e não em função de suas relações de parentesco e herança como filhas ou
esposas. Há uma parte muito pequena das mulheres em profissões valorizadas como
advogadas ou médicas, ao mesmo tempo em que, para a grande maioria, o trabalho
remunerado é precário e sem direitos, e o trabalho não remunerado, doméstico e de
cuidados, se intensificou com a diminuição dos direitos sociais no
neoliberalismo.
A
crítica à mercantilização nos possibilitou refletir sobre as conexões entre
globalização, empresas transnacionais e o controle sobre o trabalho, os corpos
e os territórios. Por exemplo, as mesmas transnacionais que atuam em
tecnologias baseadas no controle do corpo e da reprodução também atuam na
produção de sementes transgênicas. Exista, ainda, uma conexão entre o aumento
da militarização e controle dos territórios com a violência contra as mulheres.
2ª AÇÃO INTERNACIONAL
MULHERES EM MOVIMENTO MUDAM O MUNDO!
Para
a ação de 2005, elaboramos a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade após
um amplo debate e construção coletiva de uma posição comum entre mulheres, com
diferentes experiências e culturas políticas. A Carta apresenta o mundo que
queremos construir, baseado em cinco valores: liberdade, igualdade,
solidariedade, justiça e paz.
No
dia 8 de março de 2005, durante uma passeata com a participação de 30 mil
mulheres de todo o Brasil em São Paulo, a Carta iniciou sua viagem ao redor do
mundo. Até 17 de outubro, ela passou por 53 países e territórios. Nestes
países, as Coordenações Nacionais da Marcha expressaram as suas lutas e
propostas em um retalho de tecido. Estes retalhos foram sendo costurados em uma
Colcha da Solidariedade, que foi concluída na última parada em Ouagadougou,
Burkina Faso, um dos países mais pobres do mundo. Enquanto isso, ações foram
realizadas em 17 de outubro, ao meio-dia, em cada meridiano, em uma vigília de
24 horas de Solidariedade Feminista. A “onda” começou nas ilhas do Pacífico
(Nova Caledônia, Samoa e outras), foi para a Ásia, Oriente Médio, África e
Europa simultaneamente, terminando nas Américas.
ENCONTRO MMM BRASIL
O
I Encontro Nacional da MMM aconteceu entre 25 e 28 de agosto de 2006, em Belo
Horizonte, reunindo 500 mulheres. Com uma programação que mesclou formação
política, debates estratégicos e intercâmbios de práticas feministas, o
Encontro teve o papel de fortalecer a auto-organização das militantes brasileiras
e preparar para o desafio de assumir a tarefa de coordenar o Secretariado
Internacional da Marcha. A transferência do Secretariado Internacional do
Quebec para o Brasil havia sido definida um mês antes, no 6o Encontro
Internacional da MMM, no Peru.
ESSA HIPOCRISIA GERA HEMORRAGIA!
O
aborto é um direito fundamental para as mulheres decidirem sobre suas vidas e
garantir o livre exercício da sexualidade. Lutamos pela legalização do aborto,
ou seja, para que a interrupção de uma gravidez indesejada não seja crime e que
esse direito seja garantido pelo serviço público de saúde, gratuitamente.
Desde
2008, vivemos uma ofensiva de criminalização do aborto no Brasil, baseada numa
visão misógina das mulheres como seres moralmente incapazes de tomar uma
decisão consciente sobre um processo central em suas vidas. Em conjunto com
vários coletivos e organizações, a Marcha no Brasil participou da criação da
Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do
Aborto, uma resposta organizada à ofensiva dos setores conservadores que se
expressou no fechamento de clínicas clandestinas e na perseguição e condenação
de mulheres que recorreram à prática do aborto.
Na
luta pela autonomia e direito ao aborto, afirmamos que a maternidade deve ser
uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das mulheres, e que nenhuma
mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto.
Mulheres
livres, povos soberanos
A
defesa da autonomia das mulheres e da soberania dos povos orienta a construção
de alternativas ao modelo de produção, reprodução e consumo capazes de gerar
igualdade.
EM LUTA POR SOBERANIA ALIMENTAR
A
Soberania Alimentar é o direito dos povos, países ou união de Estados de
definir suas políticas agrícolas e alimentares e proteger sua produção e
cultura alimentar. Esse conceito articula lutas pelo acesso à terra, água,
sementes e condições de produção, usando práticas agroecológicas. Amplia-se no
diálogo com os povos indígenas, que aportam a noção de território, e nos
instiga a construir uma agenda em torno do tema da reprodução, concebida como
um assunto de todos, não somente das mulheres. Cada vez mais se reconhece o
trabalho e conhecimento das mulheres na produção de alimentos desde a
agricultura até seu preparo e conservação em casa, em grupos comunitários e
cantinas escolares.
Em
conjunto com a Via Campesina, Amigos da Terra Internacional, entre outras
organizações, foi organizado em 2007 o Fórum Nyéleni de Soberania Alimentar, em
Selingué, no Mali. Foram realizadas oficinas preparatórias no Brasil e América
Latina com mulheres camponesas, pescadoras e também urbanas para aprofundar uma
visão feminista sobre a soberania alimentar.
Em
agosto de 2008, as mulheres da MMM e da Via Campesina Brasil organizaram o
Encontro Nacional de Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética.
Esse foi um momento no qual afirmamos a crítica à concepção de desenvolvimento
baseada na ideia de crescimento econômico ilimitado, onde o mercado e o lucro
privado são priorizados em detrimento da dignidade e sustentabilidade da vida.
As mais de 500 mulheres urbanas e rurais presentes deram visibilidade às
alternativas construídas em práticas populares nos territórios, pautadas pela
afirmação da agroecologia como projeto político para alcançar a Soberania
Alimentar, pela defesa do direito dos povos ao território e bens comuns e pela
igualdade como princípio organizador da sociedade.
3ª AÇÃO INTERNACIONAL
SEGUIREMOS EM MARCHA ATÉ QUE TODAS
SEJAMOS LIVRES
A
Terceira Ação Internacional foi realizada em 2010. No Brasil, 3 mil mulheres
marcharam entre as cidades de Campinas e São Paulo. Os quatro campos de ação:
Trabalho e autonomia econômica das mulheres; violência; bens comuns e serviços
públicos; e paz e desmilitarização – concretizaram a plataforma da MMM.
Esta
ação teve três focos: expressar demandas nacionais por meio de marchas e/ou
caravanas; marcar o 100º aniversário do Dia Internacional de Luta das Mulheres,
por meio da recuperação da história de mulheres lutadoras; amplificar a voz das
mulheres que sofrem violência em situações de conflito armado, e apoiá-las em
seus esforços para expor as causas dos conflitos e encontrar soluções para
superá-las. Mais de 100 mil mulheres de 75 países participaram em ações
nacionais, regionais e internacionais.
A
grande contribuição desta ação foi convidar as mulheres de todos os países a
refletir sobre a militarização da vida cotidiana e sua relação com o modelo
capitalista e patriarcal, bem como a visibilizar os interesses que existem por
trás dos conflitos. O eixo paz e desmilitarização marcou as ações regionais na
Turquia, especialmente pela contribuição das mulheres dos Bálcãs e das curdas,
nas Filipinas e na Colômbia, onde ocorreram mobilizações diante das bases
militares dos Estados Unidos. O ato de encerramento da ação em Bukavu, na
República Democrática do Congo, foi uma experiência única da diplomacia popular
e da solidariedade internacional. Dez anos após a entrega das 17 demandas
internacionais à ONU, a MMM questionou esta instituição no terreno em que atua,
afirmando que os direitos das mulheres inscritos em convenções, tratados e
resoluções da ONU só fazem sentido quando são reais para todas as mulheres do
mundo.
PARA O FEMINISMO, O CAPITALISMO NÃO
TEM ECO!
O
novo discurso capitalista, que hoje se traduz nas propostas da “economia
verde”, é o mesmo que mercantiliza nossas vidas, nossos corpos e nossos
territórios. Resistimos à utilização da natureza como um recurso a serviço do
lucro de empresas, visto como inesgotável ou como mercadorias mais caras à
medida que se esgotam, pela má utilização.
A
experiência de invisibilidade e desvalorização do trabalho das mulheres no
cuidado das pessoas é muito similar ao que acontece com a natureza. O tempo e a
energia de cuidar das pessoas, que inclui desde o preparo da comida e a
realização das tarefas de manutenção da casa até a disponibilidade para a
escuta, não são visíveis e são elásticos. As mulheres são as primeiras a se
levantar e as últimas a dormir na maioria das famílias. O tempo e a energia dos
processos de regeneração da natureza são ocultados e tratados como impedimentos
a serem superados para que a máquina do consumo funcione a todo vapor. As
mulheres continuam sendo pressionadas para ajustar lógicas e tempos opostos – o
da vida e o do lucro- assumindo a sobrecarga de trabalho que a tensão entre
essas esferas gera.
A
luta feminista por um novo paradigma de sustentabilidade da vida amplia a visão
sobre a sustentabilidade ambiental que, muitas vezes, não incorpora as relações
humanas como parte dos conflitos e relações de poder que devem ser alteradas.
24 HORAS DE SOLIDARIEDADE: SOMOS
TODAS APODI!
O
que motiva nossa solidariedade internacional é a compreensão de que todas
compartilhamos uma história e uma situação de opressão, ainda que esta se
manifeste de diferentes formas em cada país, território ou região.
Em
2012, saímos às ruas em 24 horas de solidariedade internacional feminista. No
Brasil, realizamos ações de solidariedade com as companheiras da Chapada do
Apodi, na região Nordeste, que resistem ao agro e hidronegócio em seus
territórios.
PALESTINA LIVRE!
Também
em 2012, a MMM participou da organização do Fórum Social Palestina Livre, em
Porto Alegre. O maior número de refugiados do planeta é formado por palestinos
e palestinas, que ocupam hoje apenas 2% de seus territórios originais. A ação
do Estado genocida de Israel conta com a conivência, apoio e financiamento de
outros Estados poderosos como os Estados Unidos e gera muito lucro para a
indústria armamentista. Ser militante, neste contexto, é um processo que altera
profundamente a vida de cada uma das mulheres. A repressão, a prisão e até a
tortura estão no horizonte de quem decide resistir a essa ocupação violenta e
lutar pela Palestina livre.
O
Fórum foi um espaço fundamental para conhecer a realidade e a experiência das
nossas companheiras palestinas, e para fortalecer na MMM do Brasil a
solidariedade ativa com esta luta.
AÇÃO INTERNACIONAL DE 2015
Enraizar
a MMM e fortalecer as regiões são alguns dos objetivos da próxima ação
internacional, que está em construção.
A
proposta é fortalecer a defesa dos “territórios das mulheres”, que são
compostos por seu corpo, pelo lugar onde vivem, trabalham e desenvolvem suas
lutas, suas relações comunitárias, sua história. Durante a ação será construído
um mapa das resistências das mulheres, e outro com as alternativas feministas.
A
ação será realizada entre os dias 8 de março e o 17 de outubro de 2015. No dia
24 de abril, sairemos às ruas nas 24 horas de solidariedade feminista, entre
12h e 13h.
No
Brasil, diferente de outros momentos em que as mulheres de todos os estados se
reuniram em uma ação comum, a ação de 2015 será um processo enraizado em nível
local. Está em construção a proposta de realizar ações descentralizadas, para
visibilizar as lutas que nós mulheres realizamos em nossos territórios, nossas
resistências e alternativas.
Seguiremos
em marcha até que todas sejamos livres!
Texto
retirado do site oficial da MMM - http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/a-marcha/nossa-historia/
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